segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

IDEOLOGIA ALIENAÇÃO: O que aprendemos com a Filosofia da Ciência.


Conceitos como IDEOLOGIA e ALIENAÇÃO tiveram grande importância no pensamento do filósofo Karl Marx. Sabemos que a Ideologia é uma visão de mundo, ou seja, os valores, interesses e crenças de uma determinada classe social.  Quando Marx analisou o capitalismo ele observou que a classe dominante tinha sua própria ideologia. Através da propaganda, do ensino nas escolas, da indústria do cinema, dos programas de TV e outros meios, esta classe dominante transmitia sua ideologia (seus valores) para toda a sociedade, fazendo com que esta mesma sociedade assumisse a ideologia da classe dominante como se fosse sua. Este fato acontece sem que nós percebamos isto. Esta é uma das faces perversa do processo de alienação. As pessoas esquecem o sentido da própria vida e o valor real do seu trabalho e passam a adotar valores que não são seus. Consumimos novos produtos, não porque precisamos, mas porque a propaganda nos faz acreditar que este é o nosso desejo. E assim, novas pesquisas e novas tecnologias financiadas pelas classes dominantes alimentam a descoberta de novos produtos. Os recursos do planeta vão se esgotando apenas para alimentar o Capital. Qual a ética de tudo isto. Como a Filosofia das Ciências pode contribuir com esta reflexão? Foi este o centro de nossos debates no último bimestre do ano e sobre qual faremos nossas avaliações.

Para refletir:
a) Se muitas das pesquisas científicas são financiadas pelos donos do Capital, será que estar pesquisas estão voltadas para ajudar a maioria das pessoas ou para aumentar mais o lucro do próprio Capital?
b) Será que as grandes empresas gastam dinheiro com pesquisas se elas não tiverem interesses financeiro nestas mesmas pesquisas?  Neste caso estas pesquisas são isentas de intesses? Elas são neutras?
c) Você já ouviu falar de remédios que são lançados do mercado, depois são proibidos pelos órgãos de fiscalização porque estes remédios possuem efeitos danosos à saude?
d) Como um cientísta pode concordar com isto sem denunciar estes efeitos negativos que ele mesmo pesquisou?

Frederico Drummond: professor de filosofia

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

PARA REVER CONCEITOS DA TEORIA DO CONHECIMENTO – 22/11/2012

ROTEIRO
                                                                         
1 – Descreva o que é “Ato do Conhecer”
2 – O que significa Intuição?
3 – O que é o conhecimento discursivo?
4 – O que é dogmatismo em filosofia.
5 – O que é ceticismo?
6 – Porque Marx e Freud são conhecidos como “Mestres da Suspeita”.
7 – A ideologia limita a busca do conhecimento? Por quê?
8 – E o inconsciente (Freud) também pode limitar a buscar do conhecimento ou não? Por quê?
9 – O método de pesquisa adotado nas ciências da natureza é adequado para pesquisar os fenômenos das ciências humanas? Explique.
10 – Porque a estatística é considerada uma boa ferramenta no estudo dos fatos sociais?
11 – Alguém pode alcançar a verdade? Explique.
12 – Porque o racionalismo sofreu fortes críticas no final do século XIX e início do século XX.
13 – O que significa Paradigma?
14 – A física quântica alterou paradigmas no campo da Teoria do Conhecimento? Explique.
15 – As pesquisas voltadas para novas tecnologias são sempre éticas? Explique.

sábado, 10 de novembro de 2012

Conceito geral de ideologia na música de Cazuza


Você já prestou atenção na letrada canção Ideologia, de Cazuza e Roberto Frejat?
Diante de uma vida sem sentido, um jovem assiste a tudo "em cima do muro'' e sequer conhece bem a si mesmo. Lamenta ter perdido o sonho de mudar o mundo e por isso, no refrão, brada por uma ideologia: "Eu quero uma pra viver!".
O que transparece nesse apelo é o desejo de valorizar sua vida com significados outros que não dependam de modismos e concepções alheias. Para tanto, ele precisa pensar por si mesmo e adquirir autonomia de ação.
Esse exemplo nos dá o sentido mais geral e positivo do conceito de ideologia, como conjunto de ideias, crenças ou opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão. Falamos então da ideologia de um pensador, do corpo sistemático de suas ideias, do seu posicionamento interpretativo diante de certos fatos. É assim que distinguimos ideologia liberal, de ideologia socialista, as duas principais visões políticas, sociais e econômicas do nosso tempo.

Um grito de Cazuza: "Ideologia - Eu quero uma pra vive"r

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato
Que eu nem acredito
Ah! eu nem acredito...
Que aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora
As festas do "Grand Monde"...
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver...
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs
Não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar
A conta do analista
Pra nunca mais
Ter que saber
Quem eu sou
Ah! saber quem eu sou..
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro...
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Pra viver...
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro...
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver..
Ideologia!
Pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver...

Exercício para ampliar nossa capacidade de reflexão . 3


Leia a citação de George Kneller (abaixo) e explique o que se ganha e o que se perde com a abstração.

''A ciência elimina a maior parte da aparência sensível e estética da natureza. “Poentes e cascatas são descritos em termos de frequências de raios luminosos, coeficientes de refração e forças gravitacionais ou hidrodinâmicas”.

(George F. Kneller. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. p. 149.)

Exercício para ampliar nossa capacidade de reflexão . 2


Revendo o capitulo

1 -  Quais são as principais características do conhecimento intuitivo?

2 - O que é conhecimento discursivo? Dê exemplos diferentes dos já citados.

Exercício para ampliar nossa capacidade de reflexão . 1


"O filósofo é critico, embora não seja cético. Não desespera da verdade, mas recusa todas as certezas, considerando-as provisórias e sujeitas a serem relativizadas por novos argumentos." (Sérgio Paulo Rouanet. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 320.)

Explique a citação respondendo às questões a seguir.

a) O que é um filósofo cético? –

b) O que é a filosofia dogmática? –

c) É possível recusar tanto o ceticismo como o dogmatismo? Justifique sua resposta.

A VERDADE COMO HORIZONTE

Vimos que, no correr da história humana, existiram diversas maneiras de compreender o que é a verdade. O critério da evidência prevaleceu na Antiguidade e na Idade Média e sofreu alterações na modernidade, com Descartes, que não renunciou à possibilidade do conhecimento. Posteriormente, as posições conflitantes entre dogmáticos e céticos nos ensinam a desconfiar das certezas, postura que se tornou mais aguda na contemporaneidade. Se não sucumbirmos ao ceticismo radical – que em última instância recusa a filosofia - nem ao dogmatismo- que se aloja na comodidade das verdades absolutas-, poderemos melhor suportar o espanto, a admiração, a controvérsia e aceitar o movimento contínuo entre certeza e incerteza. Isso não significa renunciar à procura do conhecimento, porque conhecer é dar sentido ao mundo, interpretar a realidade é descobrir a melhor maneira para agir. A verdade continua como um propósito humano necessário e vital, que exige a liberdade de pensamento e o diálogo, para que os indivíduos compartilhem as interpretações possíveis do real.

As verdades da razão
“Raciocinar não é algo que aprendemos em solidão, mas algo que inventamos ao nos comunicar e nos confrontar com os semelhantes: toda razão é fundamentalmente conversação”. 'Conversar' não é o mesmo que ouvir sermões ou atender a vozes de comando. Só se conversa - sobretudo só se discute - entre iguais. Por isso o hábito filosófico de raciocinar nasce na Grécia, junto com as instituições políticas da democracia. Ninguém pode discutir com Assurbanipal ou com Nero, e ninguém pode conversar abertamente em uma sociedade em que existem castas sociais inamovíveis.
[ ... ]Afinal de contas, a disposição a filosofar consiste em decidir-se a tratar os outros como se também fossem filósofos: oferecendo-lhes razões, ouvindo as deles e construindo a verdade, sempre em dúvida, a partir do encontro entre umas e outras.
[ ... ]A democracia se baseia na suposição de que não há homens que nascem para mandar nem outros que nascem para obedecer, mas todos nós nascemos com a capacidade de pensar e, portanto, com o direito político de intervir na gestão da comunidade de que fazemos parte. No entanto, para que os cidadãos possam ser politicamente iguais, é imprescindível que, por outro lado, nem todas as suas opiniões o sejam: deve haver algum meio de hierarquizar as ideias na sociedade não hierárquica, potencializando as mais adequadas e descartando as errôneas ou daninhas. Em resumo, buscando a verdade. Essa é justamente a missão da razão cujo uso todos nós compartilhamos.
[ ... ]. Na sociedade democrática, as opiniões de cada um não são fortalezas ou castelos para que neles nos encerremos como forma de autoafirmação pessoal: 'ter' uma opinião não é 'ter' uma propriedade que ninguém tem o direito de nos arrebatar. Oferecemos nossa opinião aos outros para que a debatam e por sua vez a aceitem ou refutem, não simplesmente para que saibam 'onde estamos e quem somos'. E é claro que nem todas as opiniões são igualmente válidas: valem mais as que têm melhores argumentos a seu favor e as que melhor resistem à prova de fogo do debate com as objeções que lhe sejam colocadas.
[... ]A razão não está situada como um árbitro semidivino acima de nós para resolver nossas disputas; ela funciona dentro de nós e entre nós. Não só temos que ser capazes de exercer a razão em nossas argumentações como também- e isso é muito importante e, talvez, mais difícil ainda- devemos desenvolver a capacidade de ser convencidos pelas melhores razões, venham de quem vierem.
 [ ... ]A partir da perspectiva racionalista,a verdade buscada é sempre resultado, não ponto de partida: e essa busca inclui a conversação entre iguais, a polêmica, o debate, a controvérsia. Não como afirmação da própria subjetividade, mas como caminho para alcançar uma verdade objetiva através das múltiplas subjetividades.

SAVATER, Fernando."As verdades da razão." Em: As perguntas da vida. - São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 43-44.

 Questões

1 Que relação o autor estabelece entre conversação e democracia?

2 O que significa dizer que a razão funciona dentro de nós e entre nós?

3 Releia o tópico que fecha o capitulo "A verdade como horizonte" e relacione a ideia de verdade com a frase do autor: "a verdade buscada é sempre resultado, não ponto de partida".

Resenha do livro Filosofando - de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins - 4ªEdição - Editora Moderna

OS MESTRES DA SUSPEITA - TEORIA DO CONHECIMENTO

O racionalismo confiante de que há um mundo objetivo a ser desvendado pela razão começou a sofrer abalos. Já sabemos que Hume e Kant colocaram em questão o critério de verdade dos antigos, mas foi na segunda metade do século XIX e no começo do XX que diversos filósofos intensificaram as críticas ao conceito de verdade como representação e correspondência.

A expressão "mestres da suspeita" foi cunhada pelo filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005) para designar os pensadores Marx, Nietzsche e Freud. Segundo Ricoeur, foram esses três pensadores que suspeitaram das ilusões da consciência. Por consequência, para descobrir a verdade, é preciso proceder à interpretação do que consideramos conhecer a fim de decifrar o sentido oculto no sentido aparente.

a) Marx: a ideologia

Karl Marx (1818-1883) viveu intensamente o período de confronto do proletariado com a elite econômica de seu tempo. Quando esteve na Inglaterra, conheceu de perto a situação deplorável do operariado, obrigado a longas jornadas de trabalho em oficinas insalubres e com baixa remuneração. Elaborou então sua teoria materialista, segundo a qual as ideias devem ser compreendidas a partir do contexto histórico da comunidade em que se vive, porque elas derivam das condições materiais, no caso, das forças produtivas da sociedade. Percebeu também as contradições que surgem entre essas forças produtivas e as relações de produção. Nesse contexto, as ideias vigentes, que aparecem como universais e absolutas, são de fato parciais e relativas, porque representam as ideias da classe dominante. As concepções filosóficas, jurídicas, éticas, políticas, estéticas e religiosas da burguesia são estendidas para o proletariado, perpetuando os valores a elas subjacentes como verdades universais. Para Marx esse conhecimento que aparece de forma distorcida é a ideologia, ou seja, um conhecimento ilusório que tem por finalidade mascarar os conflitos sociais e garantir a dominação de uma classe, impedindo que a classe submetida desenvolva uma visão do mundo mais universal e lute pela autonomia de todos.

b) Nietzsche: o critério da vida Friedrich Nietzsche (1844-1900) procedeu a um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. Conferir sentidos é, também, conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover ou ocultar. Para Nietzsche, o conhecimento resulta de uma luta, do compromisso entre instintos. Ao compreender a avaliação que foi feita desses instintos, descobre que o único critério que se impõe é a vida. O critério da verdade, portanto, deixa de ser um valor racional para adquirir um valor de existência. O que Nietzsche quer dizer com "critério da vida”? Ao perguntar- se que sentidos atribuídos às coisas fortalecem nosso "querer viver" e quais o degeneram, questiona os valores para distinguir quais nos fortalecem vitalmente e quais nos enfraquecem.

Outra teoria que destaca o caráter interpretativo de todo conhecimento é a do perspectivismo, que consiste em considerar uma ideia a partir de diferentes perspectivas. Essa pluralidade de ângulos não nos leva a conhecer o que as coisas são em si mesmas, mas é enriquecedora por nos aproximar mais da complexidade da vida em seu movimento.

c) Freud e o inconsciente - Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, desmente as crenças racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle dos desejos, ao levantar a hipótese do inconsciente. Diante de forças conflitantes, o indivíduo reage, mas desconhece os determinantes de sua ação. Caberá ao processo psicanalítico auxiliá-lo na busca do que foi silenciado pela repressão dos desejos. A hipótese do inconsciente tornou-se fecunda ao permitir a compreensão de uma série de acontecimentos da vida psíquica. Para a psicanálise, todos os nossos atos trazem significados ocultos que podem ser interpretados. Usando de uma metáfora, poderíamos dizer que a vida consciente é apenas a ponta de um iceberg, cuja montanha submersa simboliza o inconsciente.

Os sintomas que vêm do inconsciente devem ser decifrados na sua linguagem simbólica, já que o simbolismo é o modo de representação indireta e figurada de uma ideia, conflito ou desejo inconsciente. Há vários tipos de sondagem do inconsciente, mas, para Freud, os sonhos constituem o caminho privilegiado, que ele procura desvendar pelo método da associação livre.

As críticas elaboradas por Marx, Nietszche e Freud repercutiram de maneira significativa nas reflexões posteriores sobre o sentido da verdade e o alcance do nosso conhecimento. Filósofos de correntes diferentes, como o pragmatismo, a filosofia da linguagem, o neopositivismo, o neomarxismo, enfim, das mais diversas tendências, se ocuparam com essa questão.
Resenha do livro Filosofando - de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins - 4ªEdição - Editora Moderna.  

Podemos alcançar a certeza?


A certeza é o resultado de nossa adesão ao que consideramos verdadeiro.

• O dogmatismo - Há vários significados para o conceito de dogmatismo

a) O dogmatismo do senso comum - No senso comum, o dogmatismo designa as certezas não questionadas do nosso cotidiano: de posse do que supõe verdadeiro, a pessoa fixa-se na certeza e abdica da dúvida..

b) O dogmatismo filosófico - A filosofia dogmática serve para identificar os filósofos que estão convencidos de que a razão pode alcançar a certeza absoluta. O filósofo David Hume colocou em questão nossa capacidade de atingir certezas absolutas. Sua influência foi decisiva para Kant, que, na obra Crítica da Razão Pura, põe a razão em um tribunal a fim de definir os limites e as possibilidades do conhecimento.

O ceticismo  - O cético tanto observa e pondera que conclui, nos casos mais radicais de ceticismo, que o conhecimento é impossível. Nas tendências moderadas, o cético suspende provisoriamente qualquer juízo ou admite apenas uma forma restrita de conhecimento, reconhecendo os limites para a apreensão da verdade. Para alguns, mesmo que seja impossível encontrar a certeza, não se deve abandonar a busca da verdade. O grande representante do ceticismo foi outro grego, Pirro de Élida (séc. IV-III a.C. ). Para Pirro, a atitude coerente do sábio é a suspensão do juízo e, como consequência prática, a aceitação com serenidade do fato de não poder discernir o verdadeiro do falso. Além do aspecto epistemológico, essa postura tem um caráter ético, porque aqueles que se prendem a verdades indiscutíveis estão fadados à infelicidade, já que tudo é incerto e fugaz. No Renascimento, o filósofo francês Michel de Montaigne retoma o ceticismo ao contrapor-se às certezas da escolástica e à intolerância, atitude que marcara o período de lutas religiosas. David Hume (séc. XVIII) admite o ceticismo ao reconhecer os limites muito estreitos do entendimento humano. Mais que isso, pondera que estamos subjugados pelos sentidos e pelos hábitos, o que reduz as nossas certezas a simples probabilidades. Recusa a metafísica e portanto os princípios a priori que tentem justificar nosso conhecimento. Hume, porém, não se diz adepto de um ceticismo extremado, como o do grego Pirro. Ao contrário, considera mais vantajoso à humanidade o ceticismo atenuado, que limita "as nossas pesquisas aos assuntos que mais se adaptarem à estreita capacidade do entendimento humano". Nesse sentido, Hume refere-se às crenças teóricas e práticas, que podem ser corretas ou incorretas e nos orientam no cotidiano. Assim, quando uma bola de bilhar bate em outra e a movimenta, tendemos a aceitar o principio da causalidade: uma bola é a causa do movimento da outra (que é seu efeito). Trata-se, porém, de uma crença, que resulta da conjunção habitual entre um objeto e outro:
Teorias sobre a verdade
Que critério nos permite reconhecer a verdade e distingui-la do erro? Ou seja, que condições a verdade exige para ser aceita como tal? Quando afirmar que algo é verdadeiro? A resposta mais frequente está na evidência como critério da verdade. Veremos os filósofos que são adeptos dessa teoria e aqueles que contemporaneamente a criticam.
• O critério da evidência
Segundo a teoria da correspondência, representada na filosofia desde Aristóteles, é verdadeira a proposição que corresponde a um fato da realidade. Embora a teoria da correspondência tenha adeptos ainda hoje, recebeu muitas críticas por conta da dificuldade de explicar o que significa uma proposição corresponder a um fato. Em outras palavras, a verdade é a representação do mundo como ele realmente é ou como nos aparece? Afinal, se temos acesso aos fatos apenas pelas nossas crenças, e essas não são verificadas por outros meios, a não ser por elas mesmas, como garantir que nosso pensamento corresponde aos fatos?

Resenha do livro Filosofando - de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins - 4ªEdição - Editora Moderna.  

O QUE PODEMOS CONHECER?

1 -  O ato de conhecer - O campo de investigação filosófica que abarca as questões sobre o conhecer chama-se Teoria do Conhecimento. Tradicionalmente costuma-se definir conhecimento como o modo pelo qual o sujeito se apropria intelectualmente do objeto. Entendemos por conhecimento o ato ou o produto do conhecimento.

• O ato do conhecimento diz respeito à relação que se estabelece entre o sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido. O objeto é algo fora da mente, mas também a própria mente, quando percebemos nossos afetos, desejos e ideias.

• O produto do conhecimento é o que resulta do ato de conhecer, ou seja, o conjunto de saberes  acumulados e recebidos pela cultura, bem como os saberes que cada um de nós acrescenta à tradição: as crenças, os valores, as ciências, as religiões, as técnicas, as artes, a filosofia etc. este capítulo, vamos privilegiar o primeiro aspecto: o ato de conhecer.

2 -  Os modos de conhecer

De que maneiras o sujeito cognoscente apreende o real? Geralmente consideramos o conhecimento como um ato da razão, pelo qual encadeamos ideias e juízos, para chegar a uma conclusão. Essas etapas compõem o nosso raciocínio. No entanto, conhecemos o real também pela intuição. Vejamos a diferença  entre intuição e conhecimento discursivo.

• A intuição – Trata-se de um conhecimento imediato – alcançado sem intermediários -, um tipo de pensamento direto, uma visão súbita. (o famoso: EUREKA!)

• Conhecimento discursivo - Para compreender o mundo, a razão supera as informações concretas e imediatas recebidas por intuição e organiza-as em conceitos ou ideias gerais que, devidamente articulados pelo encadeamento de juízos e raciocínios, levam à demonstração e a conclusões. Portanto, o conhecimento discursivo, ao contrário da intuição, precisa da palavra, da linguagem. Por ser mediado pelo conceito, o conhecimento discursivo é abstrato.
Como se dá então o conhecimento? Ao afastar-se do vivido, a razão enriquece o conhecimento pela interpretação e pela crítica. Esse distanciamento, porém, como enfatizam alguns filósofos, pode representar um empobrecimento da experiência intuitiva que temos do mundo e de nós mesmos. Por isso, o conhecimento se faz pela relação contínua entre intuição e razão, vivência e teoria, concreto e abstrato.
3 - A verdade
O que é a verdade? O que alguém quer dizer quando afirma que uma proposição é verdadeira? Primeiro, vamos comparar o conceito de verdade com o de veracidade e o de realidade.
• Verdade e veracidade: suponhamos que alguém me diz que há um lado da Lua que nunca é visto da Terra. Se eu lhe perguntar: "Isto é verdade?", a indagação pode ter dois sentidos. O primeiro é se meu interlocutor está me dizendo uma verdade ou se está mentindo.Nesse caso, trata-se da veracidade, que nos coloca diante de uma questão moral: o indivíduo veraz é o que não mente. O segundo sentido é propriamente epistemológico: quero saber se a afirmação de meu interlocutor é verdadeira ou falsa. Para tanto, indago se a proposição corresponde à realidade, se já foi comprovada, se a fonte de informação é digna de crédito ou não.
Verdade e realidade: embora diferentes esses dois conceitos são frequentemente confundidos na linguagem cotidiana. A verdade do conhecimento diz respeito a uma proposição que expressa um fato do mundo. Assim, quando afirmamos "Este colar é de ouro'', a proposição é falsa caso se trate de uma bijuteria. Mas se nos referimos a coisas (um colar, um quadro, um dente) só podemos afirmar que são reais, e não verdadeiras ou falsas. Portanto, o falso ou o verdadeiro não estão na coisa mesma, mas no juízo, que representa uma situação possível. Ao beber o líquido escuro que me parecia café, emito os juízos: "Este líquido não é café" e "Este líquido é cevada". Portanto, a verdade (ou falsidade) se dá quando afirmamos ou negamos algo sobre uma coisa, e esses juízos correspondem (ou não) à realidade. Estamos diante de um primeiro sentido de verdade: um juízo verdadeiro é aquele que corresponde aos fatos. Ainda que essa definição pareça óbvia e esteja de acordo com o senso comum, há outra questão que diz respeito ao critério de verdade: podemos saber como as coisas são de fato?
Resenha do livro Filosofando - de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins - 4ªEdição - Editora Moderna.

A contribuição da filosofia em significar nossa história de vida.

Por alfeu

A construção da história pessoal

Por José Tadeu Arantes, da Agência FAPESP
“Quem sou eu? Qual o sentido da existência? Que papel eu desempenho nela?” Premidas pelas urgências da vida prática, ou fascinadas pelas distrações que o mundo oferece, as pessoas costumam colocar essas perguntas de lado em seu atarefado dia a dia. Simplesmente as descartam ou adiam, à espera de um “depois” que, muitas vezes, nunca chega.
Foram, no entanto, perguntas desse tipo que impulsionaram a filosofia desde antes dos gregos. E, diante de uma grande crise ou de uma imprevista guinada na trajetória existencial, são elas que irrompem na tela da consciência, cobrando a atenção que merecem.
Tais perguntas são também o ponto de partida do livro História pessoal e sentido da vida, de Dulce Critelli, professora titular do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Publicado com apoio da FAPESP , o livro, de poucas páginas e leitura fluente, mas conteúdo denso e longamente elaborado, apresenta o fundamento filosófico do método terapêutico-educativo desenvolvido pela autora, com o nome de “historiobiografia”.
Critelli emprega esse método tanto em sessões individuais de aconselhamento como em reuniões de grupo nas quais os participantes são direcionados e instrumentalizados para refletir sobre suas autobiografias e compreendê-las.
“Descobri que muitos de nossos problemas decorrem menos de fatores psicológicos do que filosóficos. Não são os traumas, mas uma incompreensão do sentido da vida que os originam”, afirmou.
“Nessa perspectiva, a filosofia pode ser uma ferramenta fundamental. Quando pensamos, transformamos nossas crenças e, consequentemente, nosso modo de viver. A filosofia não é clínica, mas possui uma inequívoca força terapêutica, que reside naquilo que propriamente a caracteriza: sua estrutura reflexiva. Toda reflexão é um exercício de entendimento que retira os eventos de seu ocultamento (que vai do mero desconhecimento às interpretações corriqueiras) e os lança à luz”, disse.
Essa estrutura reflexiva é o traço comum de toda atividade filosófica. Mas a autora se pauta por uma escola filosófica específica, a da chamada “filosofia da existência”, desenvolvida por Martin Heidegger (1889-1976) e Hannah Arendt (1906-1975). O livro de Critelli é fortemente calcado no pensamento de Heidegger e, mais ainda, no de Arendt, profusamente citado ao longo do texto.
Segundo Arendt, os eventos da vida precisam ser arranjados em uma história para podermos lidar com eles. Como a pensadora muitas vezes afirmou, citando uma frase da escritora dinamarquesa Karen Blixen (que escreveu sob o pseudônimo de Isak Dinesen): “Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito”.
É essa ideia que fundamenta a “historiobiografia” e constitui o leitmotiv de História pessoal e sentido da vida. “Nossa existência pessoal não é um conjunto desconexo de eventos”, argumenta a autora.
“Seu sentido se articula nas histórias que, consciente ou inconscientemente, contamos para nós mesmos. E, quando percebemos o fio de nossa existência, tornamo-nos muito mais disponíveis para fazer transformações. Descobrindo o padrão, descobrimos também o potencial de ação”, falou.
Segundo Critelli, o padrão existencial se apoia em frases que as pessoas ouvem de outras ou que, acriticamente, dizem para si mesmas. Ela chama essas frases de “relatos”. São afirmações curtas e fragmentadas, muitas vezes aprendidas na infância, e repetidas ao longo da vida. Perpetuando-se pela repetição, perpetuam também, como se fosse fatalidade, um determinado modo de ser.
Frequentemente os indivíduos se sentem prisioneiros desses padrões que eles mesmos ajudaram a criar. Quando trazem tais “relatos” para a luz da consciência e os submetem ao crivo da reflexão crítica, começam a se libertar de seu poder paralisante. E colocam ou recolocam suas vidas em movimento.
“Temos a ilusão de que moramos em um mundo significativo em si e por si mesmo. Mas, em si mesmo, o mundo é pura coisa. É nossa linguagem que o transforma em um mundo. Habitar o mundo é habitar a linguagem”, sublinhou Critelli.
Trata-se, então, de substituir os relatos acríticos e fragmentários que povoam a linguagem vulgar por uma historia pessoal construída a partir da reflexão. A expectativa é que, ao se apoderar dessa história, o indivíduo simultaneamente se empodere. E deixe de ser vítima de uma imaginária fatalidade para se tornar senhor de si mesmo.
História pessoal e sentido da vida
  • Editora: Educ – Editora da PUC-SP
    Páginas: 104
    Preço: R$ 25
    Mais informações: www.pucsp.br/educ

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Ideologia e consciência social: filtros do conhecimento

O poema abaixo é de um grande mestre: Vinicius de Moraes. Como já falamos em outra oportunidade, citando a filósofa e professora Marilena Chaui, os poetas trazem, pela linguagem intuitiva e simbólica, conhecimentos filosóficos, como este mostrado no poema O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO. A ideologia e consciência social, já dizia Karl Marx, constituem um importante filtro para o processo de elaboração do conhecimento. Marx foi, juntamente com outros filósofos, considerado um dos "mestres da suspeita". Ele "supeitava" da existência de uma razão neutra, que nos pudesse fornecer um conhecimento puro, de uma ciência neutra de inderesses ideológicos. Vinicius de Moares retrata de forma magistral estes conceitos no poema que segue:
 
O operário em construção

Vinicius de Moraes

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Filosofia da Ciência e Teoria do Conhecimento: nossas disciplinas para o último bimestre do ano.

No dia 1º de Outubro de 2012 iniciamos o quarto e último bimestre escolar de 2012. E iniciamos programando atividades especiais. Nosso foco neste bimestre está no âmbito da Filosifa da Ciência e da Teoria do Conhecimento. Temas, sem dúvida, fascinantes. Iremos usar agora um metodologia mais ativa, com a participação mais direta dos alunos em todas as aulas. Para isto estamos programando para cada turma algo em torno de seis a sete seminários no bimestre. Os primeiros ocorrerão com as turmas do 3º e Segundo Ano Seriado, no dia 5 de outubro. Para introduzir o panorama destes seminários reproduzimos abaixo um texto que indaga os limites do conhecimento:


AS MÚLTIPLAS FACES DA VERDADE

De minha adolescência uma imagem marcante, que ficou como resíduo de memória, foram trechos de um filme que apresentava o julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos, segundo a tradição dos evangelistas, no Novo Testamento da Biblia cristã:

A cena apresentava a figura do Nazareno, com as mãos, atadas e em certo momento Pilatos indaga: - O que é a verdade? A sequência do texto é expressa pelo evangelista João conforme reproduzimos abaixo:

“Perguntou-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. João 18:37”
“Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? E dito isto, de novo saiu a ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum João 18:38”

O silêncio de Jesus face à pergunta me pertubava. Como podia o filho de Deus calar-se pertante uma das indagações mais contundentes para todos os humanos? O incômodo deste silêncio tinha uma marca profundamente existencial e produzia uma ressonância em uma estrofe do poema “Alguma Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade:

“(...) Meu Deus, porque me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.(...)”

Com o peso desta dúvida, tomada como pessoal, inicio minha trajetória em busca de alguma resposta. Afinal o que é a verdade? Porque em nome de uma verdade formamos exércitos, matamos e morremos? A minha verdade é uma mentira para meu inimigo, que defende a sua verdade, mentira para mim, em nome de Deus.

Em busca de uma sistematização

No início da década de 1970 muitos dos que adotaram uma ação de resistência ao regime militar tinha seus referenciais para a ação em uma leitura teológica da luta de emancipação do proletariado. Era natural, portanto, que os chamados movimentos de Ação Católica fossem buscar na noção de dialética, verdade histórica e ideologia, inspiradas no pensamento marxista, uma síntese com o pensamento cristão. Um importante teólogo que inspirou esta busca foi Theilhard Chadin. Havia uma necessidade premente de construirmos um sentido de verdade fundado nas pesquisas científicas, mas comprometido com a mensagem cristã. Nesta busca vale recordar alguns limites que poderiam ser apontados na nossa busca da verdade, senão vejamos.
Tendo como referência os textos da professora Marilene Chauí – Convite à Filosofia – observamos que toda a história da filosofia é marcada por dois pontos centrais:
a)     (...) “ A verdade do mundo e dos humanos (...) podia ser conhecida por todos, através da Razão, que é a mesma em todos.(...) Assim a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza (donde o nome cosmologia )(...)”
b)     Se a realidade é um fato objetivo – exterior aos seres humanos – o maior desafio do saber filosófico é desenvolver uma metodologia, que através da razão, do pensamento, revele objetivamente esta verdade.

Numa fase posterior encontramos uma singular elaboração, desenvolvida pelo filósofo Sócrates, que identificará na introspecção  o caminho do conhecimento. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, tornou-se a divisa deste filósofo. “Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que o período socrático é antropológico”
De fato, este é um dos poucos momentos da filosofia que o, a saber, o conhecimento, é construído permeado pela psyché (e que arriscaríamos a considerar como os primórdios da investigação psicológica).

Todavia não encontramos aí nenhuma referência à noção de subjetividade. E, os períodos seguintes da história da filosofia, o conhecimento racional, de uma realidade que pode se revelar em sua objetividade constituirá o traço principal de todos os métodos. Em alguns momentos esta realidade se mostra como revelação (Deus mostra aos homens verdades que são dogmas, segundo seus porta-vozes terrenos).

Apenas no período contemporâneo (final do século XIX e toda a primeira metade do século XX) importantes descobertas, obrigam-nos a uma nova reflexão e, certamente, a uma postura intelectual mais tolerante.
O saber científico ao se identificar como A Ciência constrói verdadeiras muralhas em relação aos outros saberes – afinal ele é fruto de um método racional, de uma história que afirma este método e da própria objetividade que o credencia como saber legítimo. Mas neste caso faria sentido indagarmos sobre um possível diálogo entre Filosofia e Psicologia? De qual filosofia? De qual psicologia? 

Provavelmente, por isto mesmo, o cientificismo (e seus ramos dentro da psicologia, como a utilização instrumentalizada do próprio Behaviorismo) ganha feições de dogma. O domínio e as descobertas científicas afastaram a filosofia de sua principal tarefa, que é o contínuo se indagar e se questionar.

Através das contribuições do crítico social e filósofo Carl Marx, depurou-se a noção de ideologia, como um grande filtro, a permear nossos olhares, reflexões e construção do saber. Se a ideologia permeia nosso próprio modo de fazer ciência não podíamos contar com uma razão isenta. Da mesma forma, a grande descoberta de outro pensador – Freud – ao estabelecer a existência do inconsciente, mostrando o quanto de nossas escolhas e razões se distanciam de uma pretensa objetividade.

Então a busca para o sentido da verdade estaria condenada ao um debate estéril? Neste momento o debate nos coloca face à necessidade de entendimento histórico e filosófico do sentido da palavra verdade, porque a que nos referimos quando dizemos que isto é verdade ou isto não verdade? Mais uma vez buscaremos em Marilena Chauí uma contribuição para o sentido da palavra verdade.
Conforme esta filósofa a origem da palavra verdade possui três fontes distintas: do grego (aletheia), do latim (veritas) e do hebráico (emunah):

“Aletheia se refere ao que as coisas são; veritas se refere aos fatos que foram; emunah se refere às ações e as coisas que serão. A nossa concepção da verdade é uma síntese dessas três fontes e por isso se refere às coisas presentes (como na aletheia), aos fatos passados (como na veritas) e às coisas futuras (como na emunah). Também se refere à própria realidade (como na aletheia), à linguagem (como na veritas) e à confiança-esperança (como na emunah). Palavras como “averiguar” e “verificar” indicam buscar a verdade; “veredicto” é pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo veraz; “verossímil” e “verossimilhante” significam: ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes aos de algo verdadeiro.” (Marilena Chaui, Convite à Filosofia De Marilena Chaui Ed. Ática, São Paulo, 2000.)
Estas três noções comportariam praticamente a maioria das teorias a respeito da verdade, entendendo a verdade como validade racional (adequação do nosso intelecto ao objeto, ou do objeto ao nosso intelecto), validade lógica (fundada na coerência interna dos enunciados) e validade consensada (baseada em um consenso de uma comunidade de pensadores). Mas uma quarta noção que ganhou expressão particular a partir do Iluminismo é a da verdade como verificação empírica, fundada naquilo que nos informa os sentidos.
Qualquer que seja a definição de verdade existem pontos fundamentais na sua busca: o entendimento de nossos condicionamentos no observar a natureza, seja porque nos apoiamos apenas no senso originário de nossas experiências não sistemáticas do cotidiano, seja pelos nossos preconceitos (pré julgamento do real), sejam os erros dos nossos sentidos (olho para o sol e vejo um objeto do tamanho de um balão); ou ainda daquilo que por nosso posicionamento de classe filtramos como o real. A verdade nasce da emancipação plena e só nesta condição nossos juizos poderão possuir esta intimidade com aquilo que definimos como real ou como o ser.
Fontes bibliográficas:

1 - CHAUÍ, Marilene “Convite à Filosofia” – Edição na Internet – Pausa Para Filosofia – 14 de fevereiro de 2003.
2 - Tart, Charles – Estados de Conscência e Ciências dos Estados Específicos. – “Além do Ego” – Editoria Clutrix/Pensamento
3 - Wilber, K – Um Deus Social – Editora Cultrix – SP-1983
4 - PIAGET, Jean – “Sabedoria e Ilusões da Filosofia” – in Coleção Os Pensadores – Abril Cultural – 1978.

Frederico Ozanam Drummond - professor de filosofia

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A política na voz dos artistas. Roda Viva, músca de Chico Buarque, proibida pela ditadura militar.

Roda Viva
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu…
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá …
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração…
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir

Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá…
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração…
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou…
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá…
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião

O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração…
O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou…
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá …
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas rodas do meu coração…
______________________________
Para reflexões:

1 - Através de uma linguagem figurada o compositor buscava manter viva a lembrança da repressão de um regime militar (aqui representado pela Roda Viva) que impedia qualquer gesto de criação e liberdade, representada por uma “linda roseira” eliminada pela Roda Viva.

2 - Afirmar nossa autoridade sobre nosso destino é condição fundamental da democracia. Sem liberdade a democracia é uma falácia.

3 - Nos atos do cotidiano podemos expressar a busca da liberdade, quando criamos o novo, (plantando uma roseira - símbolo da beleza, afirmando nossa alegria ("Viola na rua a cantar").

4 - Quando "O samba, a viola, a roseira" vão para a fogueira, reintaura-se a Inquisição com toda sua perversidade contra a vida.   


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Roteiro para estudo da matéria: Trabalho - Alienação, Ética e Política,

1 - Como podemos entender a superação do DETERMISMO, imposto pelas leis da natureza, através do trabalho?
2 – Como podemos alcançar a liberdade humana através do trabalho?
3 – De acordo com Jean-Jacques Rousseau o que foi determinante para introduzir a desigualdade social nas relações de trabalho?
4 – Segundo Marx o capitalismo promove a igualdade ou a desigualdade entre os seres humanos? Explique por que:
5 – Explique o significado o significa dos seguintes conceitos, na ótica de Marx:
a)  fetichismo;  b) reificação.
6  - O que significa consumo alienado?
7 – A técnica no capitalismo é libertadora ou opressora? Explique:
8 – O que Max Horkheimer considerou a “doença da razão”.

Na próxima semana começam as avaliações do Terceiro Bimestre de 2012

Prezados alunos:

Na semana que se inicia no dia 17 de setembro de 2012 serão realizadas as avaliações do período agosto/setembro, correspondente ao terceiro bimestre do ano. Este foi um período mais curto e, logo estaremos caminhando para o final do ano. Vamos recordar pontos importantes estudados nestes quase dois meses:

1 - Filosofia Política - tendo como fundamento a "criação" da política pelos gregos e romanos, com a separação da Esfera Privada (de responsabilidade do chefe de família - origem do nome despótico, domínio da ética) e da Esfera Pública (domínio das leis - vontade impessoal)   
2 - O estudo do Trabalho e sua dimensão sócio-emancipadora (destaque para os estudos de Karl Marx)
3 - Aprofundamento de estudo sobre os chamados "Filósofos" da Natureza" - tendo como referência o livro "O mundo de Sofia". 
4 - Trabalhamos ainda  em algumas turmas com a interpretação de um poema  de Carlos Drummond de Andrade (Elegia 1938) e da música Roda Viva, de Chico Buarque.
5 - Cada tema e os textos poéticos foram acompanhados de um roteiro para reflexão e questionamentos, com leituras em sala de aula.
6 - Durante esta semana faremos postagem de resumo sobre as matérias dadas.

Bons estudos - Frederico Drummond - professor de filosofia   

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Revisão para turmas do EJA - Resenha dos primeiros capítulos do livro "O Mundo de Sofia".

Sofia era uma menina de quase quinze anos que morava com sua mãe, pois o trabalho de seu pai o deixava ausente boa parte do tempo. Em um dia belo, quando voltava da escola, encontrou dois pequenos envelopes brancos. Cada um deles continha uma indagação e elas levaram Sofia a refletir sobre a vida e a origem do mundo. Também recebeu um cartão-postal que deveria ser entregue a uma pessoa que ela nem conhecia, chamada Hilde. Sofia foi pensar e refletir sobre os envelopes em um esconderijo no jardim de sua casa. Para ela, ele representava um mundo à parte, um paraíso particular, como o jardim do Éden mencionado na Bíblia.

A CARTOLA
O conteúdo do envelope amarelo que Sofia recebeu diz que as pessoas têm preferências por diversos tipos de assuntos: umas gostam de esporte, outras curtem observar os astros. Porém existem questões que deveriam interessar a todos como, por exemplo, saber quem somos e de onde viemos. Essas e muitas outras têm sido pensadas e discutidas há muito tempo e as explanações para elas variam de acordo com o contexto histórico. Hoje em dia também devemos procurar nossas respostas e é importante conhecermos o que foi dito em outras épocas para que possamos formar uma opinião própria. O professor de filosofia também faz referência a um truque mágico onde um coelhinho branco é tirado de uma cartola preta. Assim, ele quer passar para Sofia a idéia de que também fazemos parte de um grande mistério e nos comparar ao coelho com a diferença de que, ao contrário deste, temos consciência de estarmos participando de um enigma e procuramos explicações para isso. No mesmo dia, Sofia recebe outro envelope amarelo. Primeiramente, o professor faz uma citação: "a única coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofos é a capacidade de nos admirarmos com as coisas". Depois diz que os bebês possuem esta capacidade, mas, à medida que crescem, vão perdendo-a. Deste modo, compara um filósofo a uma criança: tanto um quanto o outro ainda não se acostumaram com o mundo e não pretendem se acomodar com as coisas.

OS MITOS
No dia seguinte Sofia leu sobre a visão mitológica do mundo. Os mitos surgiram da necessidade do homem justificar fenômenos como o crescimento das plantas, as chuvas, os trovões, etc. Tudo que ocorria aqui na Terra estava intimamente ligado ao que acontecia no mundo dos deuses. Dessa maneira, secas, epidemias e outras coisas ruins eram reflexos de que as forças do mal triunfavam sobre as do bem e o inverso ocorria quando havia fartura e riqueza. Por volta de 700 a.C. Homero e Hesíodo registraram por escrito boa parte da mitologia grega. Isso foi importante, pois agora era possível questioná-la. Xenófanes foi um filósofo crítico em relação aos mitos pelo fato de seus representantes terem sido criados à imagem e semelhança das pessoas.

OS FILÓSOFOS DA NATUREZA
A denominação "filósofos da natureza" é dada aos primeiros pensadores gregos por estes se interessarem pelos processos naturais. Eles partiram do pressuposto de que sempre existiu alguma coisa e, vendo as transformações que ocorriam no meio ambiente, indagavam-se como aquilo era possível. Então, acreditavam que havia uma substância básica presente a todas essas transformações. Esses filósofos também tentaram descobrir leis eternas a partir da observação dos fatos, desconsiderando as explanações mitológicas. Assim, a filosofia se libertava da religião e os primeiros indícios de uma forma científica de pensar começavam a aparecer.
Tales achava que a água era um elemento de fundamental importância. Dela tudo se originava e a ela tudo retornava. Anaximandro não pensou como Tales. A seu ver, a Terra era um entre vários mundos surgidos de alguma coisa, sendo que tudo se dissolveria nessa "alguma coisa" que ele denominava de infinito. E finalmente, Anaxímenes (c. 550-526 a.C.) cria que o ar era a substância básica de todas as coisas. A água seria a condensação do ar e o fogo, o ar rarefeito. Pensava ainda que se comprimisse mais ainda a água, esta se tornaria terra.
Para Parmênides, nada podia vir do nada e nada que existisse poderia se transformar em outra coisa. Era extremamente racionalista e não confiava nos sentidos. Não acreditava nem quando via, embora soubesse que a natureza se transformava.
Heráclito pensou que a principal característica da natureza eram suas constantes transformações. Ele confiava nos sentidos. Sobre ele, podemos falar ainda que acreditava que o mundo estava impregnado de constantes opostos: guerra e paz, saúde e doença, bem mal e que reconhecia haver uma espécie de razão universal dirigente de todos os fenômenos naturais.
Para acabar com o impasse a que a filosofia se encontrava, Empédocles (c. 494-434 a.C.) fez uma síntese do modo de pensar de Heráclito e Parmênides e com isso chegou a uma evolução do pensamento.
Empédocles acreditava na existência de mais de uma substância primordial. Para ser mais exato, havia quatro elementos básicos: terra, ar fogo e água e tudo existente era produto da junção disso, em proporções diferentes. Achava também que o amor e a disputa eram duas forças que atuavam na natureza. O amor une e a disputa separa as coisas.
Anaxágoras (c.500-428 a.C.) declarava que as coisas eram constituídas por pequenas partículas invisíveis a olho nu. Estas podiam se dividir, mas mesmo na pequena parte existia o todo. Ele denominava estas partes minúsculas de sementes ou gérmens. Também imaginou uma força superior, a inteligência, responsável pela criação das coisas.
Anaxágoras foi o primeiro filósofo de Atenas, mas foi expulso da cidade acusado de ateísmo. Interessava-se por astronomia, explicou que a Lua não possuía luz própria e como surgiram os eclipses.
DEMÓCRITO
Demócrito (c. 460-370 a.C.) foi o último filósofo da natureza. Ele imaginou a constituição das coisas por partículas indivisíveis, minúsculas, eternas e imutáveis e as chamou de átomos. Estes, a seu ver, possuíam vários formatos, se diferenciavam entre si e podiam ser reaproveitados. Por exemplo, quando um animal morresse seus átomos participariam da constituição de outros corpos.
Era justamente por isso que o Lego era o brinquedo mais genial do mundo. Ele podia ser utilizado para a construção de vários objetos, ficando a cargo da imaginação das pessoas. Era resistente e "eterno", pois em qualquer época, crianças se interessavam por este tipo de entretenimento.
Demócrito foi um filósofo que valorizou a razão e as coisas materiais. Não acreditava em forças que interviessem nos processos naturais. Achava também que sua teoria atômica explicava nossas percepções sensoriais e que a consciência e a alma também se constituíam de átomos. Ele não cria numa alma imortal.

Resenha de Frederico Ozanam Drummond - professor de filosofia

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

TRABALHO: A Construção da Ética e da Política

1 - Se a vida humana depende do trabalho, e este é visto como verdadeira tortura a conclusão é que o ser humano está condenado à infelicidade.

Esta afirmativa é realmente verdadeira? Vejamos. Pelo trabalho humano a natureza é transformada e criamos cultura, história e as instituições (família, o Estado, a ciência, etc.), criamos a ética e a política.  O ser humano se faz pelo trabalho, construindo sua subjetividade. Desenvolve a imaginação, aprende a se relacionar, a enfrentar conflitos, a exigir de si mesmo a superação de dificuldades. Enfim, com o trabalho ninguém permanece o mesmo, porque ele enriquece a percepção do mundo e de si próprio.

Como condição de humanização, o trabalho liberta, ao viabilizar projetos e concretizar sonhos. Se em um primeiro momento a natureza apresenta-se como destino, o trabalho será a possibilidade da superação dos determinismos.

2- Nesse sentido, a liberdade não é dada, mas resulta da ação humana transformadora. Nem sempre, porém, prevalece essa concepção positiva, sobretudo quando as pessoas são obrigadas a viver do trabalho alienado, que resulta de relações de exploração. Podemos indagar: o trabalho é necessariamente tortura ou pode ser emancipação? Esta foi uma das questões mais importantes tratadas pelo filósofo Karl Marx.
Nas sociedades tribais, as pessoas dividem tarefas de acordo com sua força e capacidade. Como a divisão das tarefas se baseia na cooperação e na complementação e não na exploração, tanto a terra como os frutos do trabalho pertencem a toda a comunidade. Por que mudaria esse estado de coisas? Para Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, a desigualdade surgiu com a propriedade privada da terra. Nesse momento, abriu-se o caminho para a divisão social, as relações de dominação e a desigual apropriação dos frutos do trabalho. (...)

3-Até a Idade Média, a riqueza se restringia à posse de terras, mas ao final desse período e durante a Idade Moderna, as atividades mercantis e manufatureiras desenvolveram-se a tal ponto que provocaram a expansão das fábricas, o que culminou com a Revolução Industrial no século XVIII. Esses acontecimentos decorreram da ascensão da burguesia enriquecida, que valorizava a técnica e o trabalho, uma vez que constituía um segmento originado dos antigos servos libertos e que tornou livres as cidades antes controladas por senhores feudais. (...)
Enquanto na Idade Média o saber contemplativo era privilegiado em detrimento da prática, no Renascimento e na Idade Moderna deu-se a valorização da técnica, da experimentação, do conhecimento alcançado por meio da prática. No campo político e econômico, estavam sendo elaborados os princípios do liberalismo. Quais as consequências das ideias liberais para o trabalho?

4 - Superando as relações de dominação entre senhores e servos, foi instituído o contrato de trabalho entre indivíduos livres, o que significa o reconhecimento do trabalhador no campo jurídico. Uma das novidades das ideias liberais é a valorização do trabalho. (...) No século XIX, o filósofo alemão Hegel faz uma leitura otimista da função do trabalho na célebre passagem "do senhor e do escravo'', descrita na Fenomenologia do espírito (capítulo IV-A): dois indivíduos lutam entre si e um deles sai vencedor, podendo matar o vencido. Este, no entanto, prefere submeter-se, para poupar a própria vida. A fim de ser reconhecido como senhor, o vencedor conserva o outro como servo. O servo submetido tudo faz para o senhor, mas com o tempo o senhor descobre que não sabe fazer mais nada, porque, entre ele e o mundo, colocou o servo, e é ele que domina a natureza. Desse modo, o servo recupera a liberdade, porque o trabalho se torna a expressão da liberdade reconquistada.
No século XIX, o resplendor do progresso alcançado pela Revolução Industrial não oculta a questão social. A exploração dos operários fica explícita em extensas jornadas de trabalho em péssimas instalações, salários baixos, arregimentação de crianças e mulheres como mão de obra mais barata. Esse estado de coisas desencadeou os movimentos socialistas e anarquistas. Nesse panorama, Karl Marx (1818-1883) retoma a temática hegeliana ao ver o trabalho como condição de liberdade.

5 - No entanto, Marx nega que a nova ordem econômica do capitalismo fosse capaz de possibilitar a igualdade entre as partes, porque o trabalhador perde mais do que ganha, já que produz para outro: a posse do produto lhe escapa. Nesse caso, é ele próprio que deixa de ser o centro de si mesmo. Não escolhe o salário - embora isso lhe apareça ficticiamente como o resultado de um contrato livre - , não escolhe o horário nem o ritmo de trabalho e é comandado de fora, por forças que não mais controla. O resultado é a pessoa tornar-se "estranha", "alheia" a si própria: é o fenômeno da alienação.

6 - Para Marx, que analisou esse conceito básico, a alienação não é puramente teórica, porque se manifesta na vida real quando o produto do trabalho deixa de pertencer a quem o produziu. Isso ocorre porque na economia capitalista prevalece a lógica do mercado, em que tudo tem um preço, ou seja, ao vender sua força de trabalho mediante salário, o operário também se transforma em mercadoria. Ocorre então o que Marx chama de fetichismo da mercadoria e reificação do trabalhador. Vejamos o que significam esses conceitos.

• O fetichismo é o processo pelo qual a mercadoria,um ser inanimado, adquire "vida" porque os valores de troca tornam-se superiores aos valores de uso e passam a determinar as relações humanas, ao contrário do que deveria acontecer. Desse modo, a relação entre produtores não se faz entre eles próprios, mas entre os produtos do seu trabalho. Por exemplo, não são relações entre alfaiate e carpinteiro, mas entre casaco e mesa, que são equiparados conforme uma medida comum de valor.
Nas práticas míticas, "feitiço" ou "fetiche" significa objeto a que se atribui poder sobrenatural; em psicologia, fetichismo é a perversão na qual a satisfação sexual depende da visão ou do contato com partes específicas do corpo ou objetos (pés, cabelos, sapatos, roupas íntimas etc.) e não com a pessoa inteira. A semelhança entre o sentido mítico, o psicológico e o fetichismo da mercadoria é que, nos três casos, objetos inertes, sem vida, ou partes de um todo tornam-se "animados", "humanizados".

• A reificação (do latim res, "coisa'') é a transformação dos seres humanos em coisas. Em consequência, a "humanização" da mercadoria leva à desumanização da pessoa, à sua coisificação, isto é, o indivíduo é transformado em mercadoria. A alienação não se aplica apenas à produção do trabalhador, mas também às formas do consumo, como veremos mais adiante.

7 - Outros pensadores investigaram as mudanças decorrentes do capitalismo e do nascimento das fábricas, analisando-as sob outro ângulo, o da instauração da era da disciplina. Segundo Michel Foucault, um novo tipo de disciplina facilitou a dominação mediante a "docilização" do corpo. Foi isso que aconteceu quando os proprietários das fábricas, na busca de maior produtividade, implantaram sistemas de "racionalização'', que, em última análise, significam economizar tempo, transformando-o em mercadoria.
A exploração e a alienação da produção estendem-se para a esfera do consumo. Ao prosperarem materialmente, os trabalhadores compartilham do "espírito do capitalismo'', atraídos pelas promessas da sociedade de consumo. Os centros de compras se transformam em "catedrais do consumo", verdadeiros templos cujo apelo constante às novidades torna tudo descartável e rapidamente obsoleto. E com as facilidades da internet já se pode comprar até sem sair de casa. Vendem-se coisas, serviços, ideias. Isso não significa, porém, que todo consumo seja alienado, porque o consumo pode ser consciente e criativo.

8 - O consumo alienado degenera em consumismo quando se toma um fim em si e não um meio, provocando desejos nunca satisfeitos, um sempre querer mais, um poço sem fundo. A ânsia do consumo perde toda relação com as necessidades reais, o que leva as pessoas a gastar mais do que precisam e, às vezes, mais do que têm. O comércio facilita a realização dos desejos ao possibilitar o parcelamento das compras, promover liquidações e ofertas de ocasião, estimular o uso de cartões de crédito, de compras pela internet. As mercadorias são rapidamente postas "fora de moda" porque seu design se tomou antiquado ou porque um novo produto se mostrou "indispensável", seja televisão, geladeira, celular ou carro.

9 - Sobre a questão da produção e do consumo, debruçaram-se inúmeros filósofos, entre os quais os pensadores da Escola de Frankfurt, movimento que surgiu na década de 1930 na Alemanha. Para os frankfurtianos, chegamos ao impasse que nos deixa perplexos diante da técnica – apresentada de início como libertadora - e que pode se mostrar, afinal, artífice de uma ordem tecnocrática opressora. A técnica aplicada ao trabalho tem provocado a alienação do trabalhador e o esgotamento dos recursos naturais. De fato, a exaltação do progresso indiscriminado não tem respeitado o que hoje chamamos de desenvolvimento sustentável. Ao submeter-se passivamente aos critérios de produtividade e desempenho no mundo competitivo do mercado, o indivíduo perde muito do prazer de sua atividade ao ser regido por princípios aparentemente "racionais".

10-Por isso, Max Horkheimer acrescenta que "a doença da razão está no fato de que ela nasceu da necessidade humana de dominar a natureza''. E mais, que "a história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem". De que "razão" fala o filósofo? Trata-se da razão instrumental, que serve para qualquer fim, sem averiguar se é bom ou mau. Na sociedade capitalista, os interesses definem-se pelo critério da eficácia,uma vez que a organização das forças produtivas visa a atingir níveis sempre mais altos de produtividade e de competitividade. Onde a técnica é o principal, a pessoa deixa de ser fim para se tornar meio de qualquer coisa que se acha fora dela, além de que a relação do ser humano com a natureza passa a ser de domínio e não de harmonia. Na sociedade da total administração, segundo a expressão de Max Horkheimer e Theodor Adorno, os conflitos são dissimulados e a oposição desaparece. Herbert Marcuse chama unidimensionalidade à perda da dimensão crítica, pela qual o trabalhador não percebe a exploração de que é vítima. O filósofo alerta para a distinção entre necessidades vitais e falsas necessidades, para que a satisfação dos indivíduos não se reduza a uma "euforia na infelicidade".

11 - No início do século XX. foram marcantes as iniciativas de produção em série nas linhas de montagem, com a consequente estimulação do consumo de massa, apesar dos efeitos alienantes no campo do trabalho e do consumo. Nada se compara, porém, ao impacto causado no final do milênio com a implantação da tecnologia avançada da automação, bem como da comunicação em tempo real possibilitada pela informática nas fábricas, nos escritórios e no campo. A produção globalizada na época do hiperconsumo nos obriga a rever as críticas aos antigos modelos de alienação no trabalho e no consumo. Entretanto, no brilho da diversificação das tarefas e das ofertas múltiplas de compras, estaríamos livres de outros modos de manipulação da nossa consciência crítica e portanto de nossas escolhas? Tudo isso aumenta nossa responsabilidade, tanto no plano pessoal como no coletivo. Apesar dos benefícios alcançados pela nossa civilização, há um grande número de pessoas excluídas do sistema, e o desequilíbrio ecológico agrava-se a cada dia. O importante é verificar, a todo momento, em que medida as atividades do trabalho, consumo e lazer estão a serviço da humanização e da sustentabilidade do planeta e quando se desviam desses objetivos principais.

Texto base – Trabalho, alienação e consumo. Livro Filosofando – de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins.  Resenha – autoria Frederico Drummond – professor de filosofia.