sábado, 10 de novembro de 2012

A VERDADE COMO HORIZONTE

Vimos que, no correr da história humana, existiram diversas maneiras de compreender o que é a verdade. O critério da evidência prevaleceu na Antiguidade e na Idade Média e sofreu alterações na modernidade, com Descartes, que não renunciou à possibilidade do conhecimento. Posteriormente, as posições conflitantes entre dogmáticos e céticos nos ensinam a desconfiar das certezas, postura que se tornou mais aguda na contemporaneidade. Se não sucumbirmos ao ceticismo radical – que em última instância recusa a filosofia - nem ao dogmatismo- que se aloja na comodidade das verdades absolutas-, poderemos melhor suportar o espanto, a admiração, a controvérsia e aceitar o movimento contínuo entre certeza e incerteza. Isso não significa renunciar à procura do conhecimento, porque conhecer é dar sentido ao mundo, interpretar a realidade é descobrir a melhor maneira para agir. A verdade continua como um propósito humano necessário e vital, que exige a liberdade de pensamento e o diálogo, para que os indivíduos compartilhem as interpretações possíveis do real.

As verdades da razão
“Raciocinar não é algo que aprendemos em solidão, mas algo que inventamos ao nos comunicar e nos confrontar com os semelhantes: toda razão é fundamentalmente conversação”. 'Conversar' não é o mesmo que ouvir sermões ou atender a vozes de comando. Só se conversa - sobretudo só se discute - entre iguais. Por isso o hábito filosófico de raciocinar nasce na Grécia, junto com as instituições políticas da democracia. Ninguém pode discutir com Assurbanipal ou com Nero, e ninguém pode conversar abertamente em uma sociedade em que existem castas sociais inamovíveis.
[ ... ]Afinal de contas, a disposição a filosofar consiste em decidir-se a tratar os outros como se também fossem filósofos: oferecendo-lhes razões, ouvindo as deles e construindo a verdade, sempre em dúvida, a partir do encontro entre umas e outras.
[ ... ]A democracia se baseia na suposição de que não há homens que nascem para mandar nem outros que nascem para obedecer, mas todos nós nascemos com a capacidade de pensar e, portanto, com o direito político de intervir na gestão da comunidade de que fazemos parte. No entanto, para que os cidadãos possam ser politicamente iguais, é imprescindível que, por outro lado, nem todas as suas opiniões o sejam: deve haver algum meio de hierarquizar as ideias na sociedade não hierárquica, potencializando as mais adequadas e descartando as errôneas ou daninhas. Em resumo, buscando a verdade. Essa é justamente a missão da razão cujo uso todos nós compartilhamos.
[ ... ]. Na sociedade democrática, as opiniões de cada um não são fortalezas ou castelos para que neles nos encerremos como forma de autoafirmação pessoal: 'ter' uma opinião não é 'ter' uma propriedade que ninguém tem o direito de nos arrebatar. Oferecemos nossa opinião aos outros para que a debatam e por sua vez a aceitem ou refutem, não simplesmente para que saibam 'onde estamos e quem somos'. E é claro que nem todas as opiniões são igualmente válidas: valem mais as que têm melhores argumentos a seu favor e as que melhor resistem à prova de fogo do debate com as objeções que lhe sejam colocadas.
[... ]A razão não está situada como um árbitro semidivino acima de nós para resolver nossas disputas; ela funciona dentro de nós e entre nós. Não só temos que ser capazes de exercer a razão em nossas argumentações como também- e isso é muito importante e, talvez, mais difícil ainda- devemos desenvolver a capacidade de ser convencidos pelas melhores razões, venham de quem vierem.
 [ ... ]A partir da perspectiva racionalista,a verdade buscada é sempre resultado, não ponto de partida: e essa busca inclui a conversação entre iguais, a polêmica, o debate, a controvérsia. Não como afirmação da própria subjetividade, mas como caminho para alcançar uma verdade objetiva através das múltiplas subjetividades.

SAVATER, Fernando."As verdades da razão." Em: As perguntas da vida. - São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 43-44.

 Questões

1 Que relação o autor estabelece entre conversação e democracia?

2 O que significa dizer que a razão funciona dentro de nós e entre nós?

3 Releia o tópico que fecha o capitulo "A verdade como horizonte" e relacione a ideia de verdade com a frase do autor: "a verdade buscada é sempre resultado, não ponto de partida".

Resenha do livro Filosofando - de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins - 4ªEdição - Editora Moderna

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