sábado, 10 de novembro de 2012

OS MESTRES DA SUSPEITA - TEORIA DO CONHECIMENTO

O racionalismo confiante de que há um mundo objetivo a ser desvendado pela razão começou a sofrer abalos. Já sabemos que Hume e Kant colocaram em questão o critério de verdade dos antigos, mas foi na segunda metade do século XIX e no começo do XX que diversos filósofos intensificaram as críticas ao conceito de verdade como representação e correspondência.

A expressão "mestres da suspeita" foi cunhada pelo filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005) para designar os pensadores Marx, Nietzsche e Freud. Segundo Ricoeur, foram esses três pensadores que suspeitaram das ilusões da consciência. Por consequência, para descobrir a verdade, é preciso proceder à interpretação do que consideramos conhecer a fim de decifrar o sentido oculto no sentido aparente.

a) Marx: a ideologia

Karl Marx (1818-1883) viveu intensamente o período de confronto do proletariado com a elite econômica de seu tempo. Quando esteve na Inglaterra, conheceu de perto a situação deplorável do operariado, obrigado a longas jornadas de trabalho em oficinas insalubres e com baixa remuneração. Elaborou então sua teoria materialista, segundo a qual as ideias devem ser compreendidas a partir do contexto histórico da comunidade em que se vive, porque elas derivam das condições materiais, no caso, das forças produtivas da sociedade. Percebeu também as contradições que surgem entre essas forças produtivas e as relações de produção. Nesse contexto, as ideias vigentes, que aparecem como universais e absolutas, são de fato parciais e relativas, porque representam as ideias da classe dominante. As concepções filosóficas, jurídicas, éticas, políticas, estéticas e religiosas da burguesia são estendidas para o proletariado, perpetuando os valores a elas subjacentes como verdades universais. Para Marx esse conhecimento que aparece de forma distorcida é a ideologia, ou seja, um conhecimento ilusório que tem por finalidade mascarar os conflitos sociais e garantir a dominação de uma classe, impedindo que a classe submetida desenvolva uma visão do mundo mais universal e lute pela autonomia de todos.

b) Nietzsche: o critério da vida Friedrich Nietzsche (1844-1900) procedeu a um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. Conferir sentidos é, também, conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover ou ocultar. Para Nietzsche, o conhecimento resulta de uma luta, do compromisso entre instintos. Ao compreender a avaliação que foi feita desses instintos, descobre que o único critério que se impõe é a vida. O critério da verdade, portanto, deixa de ser um valor racional para adquirir um valor de existência. O que Nietzsche quer dizer com "critério da vida”? Ao perguntar- se que sentidos atribuídos às coisas fortalecem nosso "querer viver" e quais o degeneram, questiona os valores para distinguir quais nos fortalecem vitalmente e quais nos enfraquecem.

Outra teoria que destaca o caráter interpretativo de todo conhecimento é a do perspectivismo, que consiste em considerar uma ideia a partir de diferentes perspectivas. Essa pluralidade de ângulos não nos leva a conhecer o que as coisas são em si mesmas, mas é enriquecedora por nos aproximar mais da complexidade da vida em seu movimento.

c) Freud e o inconsciente - Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, desmente as crenças racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle dos desejos, ao levantar a hipótese do inconsciente. Diante de forças conflitantes, o indivíduo reage, mas desconhece os determinantes de sua ação. Caberá ao processo psicanalítico auxiliá-lo na busca do que foi silenciado pela repressão dos desejos. A hipótese do inconsciente tornou-se fecunda ao permitir a compreensão de uma série de acontecimentos da vida psíquica. Para a psicanálise, todos os nossos atos trazem significados ocultos que podem ser interpretados. Usando de uma metáfora, poderíamos dizer que a vida consciente é apenas a ponta de um iceberg, cuja montanha submersa simboliza o inconsciente.

Os sintomas que vêm do inconsciente devem ser decifrados na sua linguagem simbólica, já que o simbolismo é o modo de representação indireta e figurada de uma ideia, conflito ou desejo inconsciente. Há vários tipos de sondagem do inconsciente, mas, para Freud, os sonhos constituem o caminho privilegiado, que ele procura desvendar pelo método da associação livre.

As críticas elaboradas por Marx, Nietszche e Freud repercutiram de maneira significativa nas reflexões posteriores sobre o sentido da verdade e o alcance do nosso conhecimento. Filósofos de correntes diferentes, como o pragmatismo, a filosofia da linguagem, o neopositivismo, o neomarxismo, enfim, das mais diversas tendências, se ocuparam com essa questão.
Resenha do livro Filosofando - de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins - 4ªEdição - Editora Moderna.  

6 comentários:

  1. ta se fosse para ler o livro eu mesmo lia pq eu tenho ele aqui em casa eu preciso de um interprete com palavras que sejam mais sutis

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    1. Putz, cara, como você é folgado! rsrsrsr

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  2. Mais didático que esse texto só se pegar na sua mão e te ensinar o alfabeto novamente, Para de ser preguiçoso e trate de pensar e refletir sobre as ideias propostas. --' "Se fosse pra eu ler o livro eu mesmo lia" TÁ ESPERANDO O QUE? talvez traga algum tipo de conhecimento pra essa sua cabeça oca.

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  3. Em tempo: o livro Filosofando é para ser lido. A resenha é apenas uma forma de aproximar as reflexões que estão no livro. Um pequeno roteiro.

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    1. E o esforço sempre vale a pena, ainda que inicialmente possa conter alguma dificuldade. Os textos de filosofia exigem de nós disciplina e atenção. E podemos sempre ler outros comentadores dos livros. Na internet encontramos bastante material de consulta.

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  4. A Filosofia eis que tem um aspecto de suspeita, de dúvida, crítica, suspicácia, um aspecto da chamado por Hegel, "tabalho do negativo", ao lado da construção de grandes edifícios metafísicos não assumidos pelos filósofos modernos como Friedrich Nietzsche, mas em uma de suas obras, Nietzsche assume, de fato, que a Filosofia, o amor à sabedoria, só poderia dar-se se as pessoas convissem com suas idéias, ou seja, eis um construtor e dono de mais um edifício metafísico para os que quereriam ser amantes do saber.

    Mas, como eu dizia, a crítica e a suspeita é própria, outrossim, da Filosofia, pois o filósofo teria olhos de ver o que a maioria só vê como banal, como comum e usual. O filósofo eis que é o homem lúcido e desperto que enxerga ao fim e ao cabo tudo como um em sua consciência una, madura, do honem maduro "spoudaios", como diria o Filósofo (Aristóteles).

    Não que eu concorde com as conclusões de Nietzsche, Freud e Marx, pois sou católico e de direita defensor do Capitalismo, mas tiro o meu chapéu branco de palha que costumo usar no cotidiano em respeito a esses caras que com maestria, apesar de certas desonestidades, instigar o mundo a perguntar-se e perguntar não ofende.


    JOÃO EMILIANO MARTINS NETO
    (https://joaoemilianoneto.blogspot.com.br)

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