segunda-feira, 20 de agosto de 2012

TRABALHO: A Construção da Ética e da Política

1 - Se a vida humana depende do trabalho, e este é visto como verdadeira tortura a conclusão é que o ser humano está condenado à infelicidade.

Esta afirmativa é realmente verdadeira? Vejamos. Pelo trabalho humano a natureza é transformada e criamos cultura, história e as instituições (família, o Estado, a ciência, etc.), criamos a ética e a política.  O ser humano se faz pelo trabalho, construindo sua subjetividade. Desenvolve a imaginação, aprende a se relacionar, a enfrentar conflitos, a exigir de si mesmo a superação de dificuldades. Enfim, com o trabalho ninguém permanece o mesmo, porque ele enriquece a percepção do mundo e de si próprio.

Como condição de humanização, o trabalho liberta, ao viabilizar projetos e concretizar sonhos. Se em um primeiro momento a natureza apresenta-se como destino, o trabalho será a possibilidade da superação dos determinismos.

2- Nesse sentido, a liberdade não é dada, mas resulta da ação humana transformadora. Nem sempre, porém, prevalece essa concepção positiva, sobretudo quando as pessoas são obrigadas a viver do trabalho alienado, que resulta de relações de exploração. Podemos indagar: o trabalho é necessariamente tortura ou pode ser emancipação? Esta foi uma das questões mais importantes tratadas pelo filósofo Karl Marx.
Nas sociedades tribais, as pessoas dividem tarefas de acordo com sua força e capacidade. Como a divisão das tarefas se baseia na cooperação e na complementação e não na exploração, tanto a terra como os frutos do trabalho pertencem a toda a comunidade. Por que mudaria esse estado de coisas? Para Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, a desigualdade surgiu com a propriedade privada da terra. Nesse momento, abriu-se o caminho para a divisão social, as relações de dominação e a desigual apropriação dos frutos do trabalho. (...)

3-Até a Idade Média, a riqueza se restringia à posse de terras, mas ao final desse período e durante a Idade Moderna, as atividades mercantis e manufatureiras desenvolveram-se a tal ponto que provocaram a expansão das fábricas, o que culminou com a Revolução Industrial no século XVIII. Esses acontecimentos decorreram da ascensão da burguesia enriquecida, que valorizava a técnica e o trabalho, uma vez que constituía um segmento originado dos antigos servos libertos e que tornou livres as cidades antes controladas por senhores feudais. (...)
Enquanto na Idade Média o saber contemplativo era privilegiado em detrimento da prática, no Renascimento e na Idade Moderna deu-se a valorização da técnica, da experimentação, do conhecimento alcançado por meio da prática. No campo político e econômico, estavam sendo elaborados os princípios do liberalismo. Quais as consequências das ideias liberais para o trabalho?

4 - Superando as relações de dominação entre senhores e servos, foi instituído o contrato de trabalho entre indivíduos livres, o que significa o reconhecimento do trabalhador no campo jurídico. Uma das novidades das ideias liberais é a valorização do trabalho. (...) No século XIX, o filósofo alemão Hegel faz uma leitura otimista da função do trabalho na célebre passagem "do senhor e do escravo'', descrita na Fenomenologia do espírito (capítulo IV-A): dois indivíduos lutam entre si e um deles sai vencedor, podendo matar o vencido. Este, no entanto, prefere submeter-se, para poupar a própria vida. A fim de ser reconhecido como senhor, o vencedor conserva o outro como servo. O servo submetido tudo faz para o senhor, mas com o tempo o senhor descobre que não sabe fazer mais nada, porque, entre ele e o mundo, colocou o servo, e é ele que domina a natureza. Desse modo, o servo recupera a liberdade, porque o trabalho se torna a expressão da liberdade reconquistada.
No século XIX, o resplendor do progresso alcançado pela Revolução Industrial não oculta a questão social. A exploração dos operários fica explícita em extensas jornadas de trabalho em péssimas instalações, salários baixos, arregimentação de crianças e mulheres como mão de obra mais barata. Esse estado de coisas desencadeou os movimentos socialistas e anarquistas. Nesse panorama, Karl Marx (1818-1883) retoma a temática hegeliana ao ver o trabalho como condição de liberdade.

5 - No entanto, Marx nega que a nova ordem econômica do capitalismo fosse capaz de possibilitar a igualdade entre as partes, porque o trabalhador perde mais do que ganha, já que produz para outro: a posse do produto lhe escapa. Nesse caso, é ele próprio que deixa de ser o centro de si mesmo. Não escolhe o salário - embora isso lhe apareça ficticiamente como o resultado de um contrato livre - , não escolhe o horário nem o ritmo de trabalho e é comandado de fora, por forças que não mais controla. O resultado é a pessoa tornar-se "estranha", "alheia" a si própria: é o fenômeno da alienação.

6 - Para Marx, que analisou esse conceito básico, a alienação não é puramente teórica, porque se manifesta na vida real quando o produto do trabalho deixa de pertencer a quem o produziu. Isso ocorre porque na economia capitalista prevalece a lógica do mercado, em que tudo tem um preço, ou seja, ao vender sua força de trabalho mediante salário, o operário também se transforma em mercadoria. Ocorre então o que Marx chama de fetichismo da mercadoria e reificação do trabalhador. Vejamos o que significam esses conceitos.

• O fetichismo é o processo pelo qual a mercadoria,um ser inanimado, adquire "vida" porque os valores de troca tornam-se superiores aos valores de uso e passam a determinar as relações humanas, ao contrário do que deveria acontecer. Desse modo, a relação entre produtores não se faz entre eles próprios, mas entre os produtos do seu trabalho. Por exemplo, não são relações entre alfaiate e carpinteiro, mas entre casaco e mesa, que são equiparados conforme uma medida comum de valor.
Nas práticas míticas, "feitiço" ou "fetiche" significa objeto a que se atribui poder sobrenatural; em psicologia, fetichismo é a perversão na qual a satisfação sexual depende da visão ou do contato com partes específicas do corpo ou objetos (pés, cabelos, sapatos, roupas íntimas etc.) e não com a pessoa inteira. A semelhança entre o sentido mítico, o psicológico e o fetichismo da mercadoria é que, nos três casos, objetos inertes, sem vida, ou partes de um todo tornam-se "animados", "humanizados".

• A reificação (do latim res, "coisa'') é a transformação dos seres humanos em coisas. Em consequência, a "humanização" da mercadoria leva à desumanização da pessoa, à sua coisificação, isto é, o indivíduo é transformado em mercadoria. A alienação não se aplica apenas à produção do trabalhador, mas também às formas do consumo, como veremos mais adiante.

7 - Outros pensadores investigaram as mudanças decorrentes do capitalismo e do nascimento das fábricas, analisando-as sob outro ângulo, o da instauração da era da disciplina. Segundo Michel Foucault, um novo tipo de disciplina facilitou a dominação mediante a "docilização" do corpo. Foi isso que aconteceu quando os proprietários das fábricas, na busca de maior produtividade, implantaram sistemas de "racionalização'', que, em última análise, significam economizar tempo, transformando-o em mercadoria.
A exploração e a alienação da produção estendem-se para a esfera do consumo. Ao prosperarem materialmente, os trabalhadores compartilham do "espírito do capitalismo'', atraídos pelas promessas da sociedade de consumo. Os centros de compras se transformam em "catedrais do consumo", verdadeiros templos cujo apelo constante às novidades torna tudo descartável e rapidamente obsoleto. E com as facilidades da internet já se pode comprar até sem sair de casa. Vendem-se coisas, serviços, ideias. Isso não significa, porém, que todo consumo seja alienado, porque o consumo pode ser consciente e criativo.

8 - O consumo alienado degenera em consumismo quando se toma um fim em si e não um meio, provocando desejos nunca satisfeitos, um sempre querer mais, um poço sem fundo. A ânsia do consumo perde toda relação com as necessidades reais, o que leva as pessoas a gastar mais do que precisam e, às vezes, mais do que têm. O comércio facilita a realização dos desejos ao possibilitar o parcelamento das compras, promover liquidações e ofertas de ocasião, estimular o uso de cartões de crédito, de compras pela internet. As mercadorias são rapidamente postas "fora de moda" porque seu design se tomou antiquado ou porque um novo produto se mostrou "indispensável", seja televisão, geladeira, celular ou carro.

9 - Sobre a questão da produção e do consumo, debruçaram-se inúmeros filósofos, entre os quais os pensadores da Escola de Frankfurt, movimento que surgiu na década de 1930 na Alemanha. Para os frankfurtianos, chegamos ao impasse que nos deixa perplexos diante da técnica – apresentada de início como libertadora - e que pode se mostrar, afinal, artífice de uma ordem tecnocrática opressora. A técnica aplicada ao trabalho tem provocado a alienação do trabalhador e o esgotamento dos recursos naturais. De fato, a exaltação do progresso indiscriminado não tem respeitado o que hoje chamamos de desenvolvimento sustentável. Ao submeter-se passivamente aos critérios de produtividade e desempenho no mundo competitivo do mercado, o indivíduo perde muito do prazer de sua atividade ao ser regido por princípios aparentemente "racionais".

10-Por isso, Max Horkheimer acrescenta que "a doença da razão está no fato de que ela nasceu da necessidade humana de dominar a natureza''. E mais, que "a história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem". De que "razão" fala o filósofo? Trata-se da razão instrumental, que serve para qualquer fim, sem averiguar se é bom ou mau. Na sociedade capitalista, os interesses definem-se pelo critério da eficácia,uma vez que a organização das forças produtivas visa a atingir níveis sempre mais altos de produtividade e de competitividade. Onde a técnica é o principal, a pessoa deixa de ser fim para se tornar meio de qualquer coisa que se acha fora dela, além de que a relação do ser humano com a natureza passa a ser de domínio e não de harmonia. Na sociedade da total administração, segundo a expressão de Max Horkheimer e Theodor Adorno, os conflitos são dissimulados e a oposição desaparece. Herbert Marcuse chama unidimensionalidade à perda da dimensão crítica, pela qual o trabalhador não percebe a exploração de que é vítima. O filósofo alerta para a distinção entre necessidades vitais e falsas necessidades, para que a satisfação dos indivíduos não se reduza a uma "euforia na infelicidade".

11 - No início do século XX. foram marcantes as iniciativas de produção em série nas linhas de montagem, com a consequente estimulação do consumo de massa, apesar dos efeitos alienantes no campo do trabalho e do consumo. Nada se compara, porém, ao impacto causado no final do milênio com a implantação da tecnologia avançada da automação, bem como da comunicação em tempo real possibilitada pela informática nas fábricas, nos escritórios e no campo. A produção globalizada na época do hiperconsumo nos obriga a rever as críticas aos antigos modelos de alienação no trabalho e no consumo. Entretanto, no brilho da diversificação das tarefas e das ofertas múltiplas de compras, estaríamos livres de outros modos de manipulação da nossa consciência crítica e portanto de nossas escolhas? Tudo isso aumenta nossa responsabilidade, tanto no plano pessoal como no coletivo. Apesar dos benefícios alcançados pela nossa civilização, há um grande número de pessoas excluídas do sistema, e o desequilíbrio ecológico agrava-se a cada dia. O importante é verificar, a todo momento, em que medida as atividades do trabalho, consumo e lazer estão a serviço da humanização e da sustentabilidade do planeta e quando se desviam desses objetivos principais.

Texto base – Trabalho, alienação e consumo. Livro Filosofando – de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins.  Resenha – autoria Frederico Drummond – professor de filosofia.

sábado, 18 de agosto de 2012

O Analfabeto Político - poema de Berthold Brecht

O Analfabeto Político
"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.

Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."
Nada é impossível de Mudar
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
Privatizado
"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence."

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Resenha da Unidade 5 Filosofia política do livro Filosofando

1 - A filosofia política
Na conversa diária, usamos a palavra política em vários sentidos. Por exemplo, para alguém muito intransigente aconselhamos ser "mais político''; referimos-nos também à "política' da empresa, da escola ou da Igreja, como expressões da estrutura de poder interno. Há também um sentido pejorativo de política, quando pessoas desencantadas, devido às denúncias de corrupção e violência, associam indevidamente política à "politicagem", falsa política em que predominam os interesses particulares sobre os coletivos. Afinal, de que trata a política?

ETIMOLOGIA - Política. Do grego pólis, "cidade".

(...) Podemos entender a política como luta pelo poder. a conquista, a manutenção e a expansão do poder. Ou refletir sobre as instituições políticas por meio das quais o poder é exercido. E também indagar sobre a origem, a natureza e a significação do poder. Esse último aspecto sugere questões como: Qual o fundamento do poder? Qual a sua legitimidade? É necessário que alguns mandem e outros obedeçam? O que toma viável o poder de um sobre o outro? Qual o critério de autoridade?

2 - Poder e força
A política trata das relações de poder. Poder é a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos Para que alguém exerça o poder, é preciso que tenha força, entendida como instrumento para o exercício do poder. Quando falamos em força, é comum pensar-se imediatamente em força física, coerção, violência. Na verdade, este é apenas um dos tipos de força. (...). Trata-se também da força da lei, da força da palavra, da força moral etc

3 Estado e legitimidade do poder

Ao longo da história humana foram adotados os mais diversos princípios de legitimidade do poder.
• nos Estados teocráticos, o poder legítimo vem da vontade de Deus;
• nas monarquias hereditárias, o poder é transmitido de geração a geração e mantido pela força da tradição;
• nos governos aristocráticos, apenas os melhores exercem funções de mando; o que se entende por melhores varia conforme o tipo de aristocracia: os mais ricos, os mais fortes, os de linhagem nobre ou, até, os da elite do saber;
• na democracia, o poder legítimo nasce da vontade do povo.
A discussão a respeito da legitimidade do poder é importante na medida em que a obediência é prestada apenas ao poder consentido, situação na qual é voluntária e, portanto, livre. Caso contrário, abre-se a brecha do direito à resistência.

4 - A institucionalização do poder
Na Idade Moderna, com o fortalecimento das monarquias nacionais, o Estado passou a deter a posse de um território e tornou-se apto para fazer e aplicar as leis, recolher impostos, ter um exército. O filósofo Max Weber (1864-1920) diz:, o Estado moderno é reconhecido por dois elementos constitutivos: a presença do aparato administrativo para prestação de serviços públicos e o monopólio legítimo da força. Além disso, com a secularização da consciência, o Estado distanciou-se da maneira de pensar medieval, predominantemente religiosa. À tese de que todo poder emana de Deus, contrapôs-se a teoria da origem social do pacto feito sob o consentimento dos indivíduos. Com a institucionalização do Estado, o governante não mais se identifica com poder, mas é apenas o depositário da soberania popular. O poder legítimo é, portanto, um poder de direito, que repousa não mais na violência nem no privilégio de classe, mas no mandato popular. O súdito transforma-se em cidadão, já que participa ativamente da comunidade cívica.
No século XVIII, expandiu-se a defesa do constitucionalismo, entendido como a teoria e a prática dos limites do poder exercido pelo direito e pelas leis. Portanto, o poder torna-se legítimo porque emana do povo e se faz em conformidade com a lei.

Resenha da Unidade 5 Filosofia política do livro Filosofando - Maria Lúcia A Aranha e Maria Helena Pires Martins - Resenha do professor de filosofia Frederico Drummond

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A invenção da política - Marilena Chaui

Prof Marilena Chaui
Quando se afirma que os gregos e romanos inventaram a política, o que se diz é que desfizeram aquelas características da autoridade e do poder. Embora, nos começos, gregos e romanos tivessem conhecido a organização econômico-social de tipo despótico ou patriarcal, um conjunto de medidas foram tomadas pelos primeiros dirigentes – os legisladores – de modo a impedir a concentração dos poderes e da autoridade nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça e das armas, representante da divindade.
A propriedade da terra não se tornou propriedade régia ou patrimônio privado do rei, nem se tornou propriedade comunal ou da aldeia, mas manteve-se como propriedade de famílias independentes, cuja peculiaridade estava em não formarem uma casta fechada sobre si mesma, porém aberta à incorporação de novas famílias e de indivíduos ou não-proprietários enriquecidos no comércio.
Apesar das diferenças históricas na formação da Grécia e de Roma, há três aspectos comuns a ambas e decisivos para a invenção da política. O primeiro, como assinalamos há pouco, é a forma da propriedade da terra; o segundo, o fenômeno da urbanização; e o terceiro, o modo de divisão territorial das cidades.
Como a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao rei, mas às famílias independentes, e como as guerras ampliavam o contingente de escravos, formou-se na Grécia e em Roma uma camada pobre de camponeses que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como artesãos e comerciantes, prosperaram, fizeram, das aldeias, cidades, passaram a disputar o direito ao poder com as grandes famílias agrárias. Uma luta de classes perpassa a história grega e romana exigindo solução.
A urbanização significou uma complexa rede de relações econômicas e sociais que colocava em confronto não só proprietários agrários, de um lado, e artesãos e comerciantes, de outro, mas também a massa de assalariados da população urbana, os não-proprietários, genericamente chamados de “os pobres”.
A luta de classes incluía, assim, lutas entre os ricos e lutas entre ricos e pobres. Tais lutas eram decorrentes do fato de que todos os indivíduos participavam das guerras externas, tanto para a expansão territorial, quanto para a defesa de sua cidade, formando as milícias dos nativos da cidade. Essa participação militar fazia com que todos se julgassem no direito, de algum modo, de intervir nas decisões econômicas e legais das cidades. A luta das classes pedia uma solução. Essa solução foi a política.
Finalmente, os primeiros chefes políticos ou legisladores introduziram uma divisão territorial das cidades que visava a diminuir o poderio das famílias ricas agrárias, dos artesãos e comerciantes urbanos ricos e à satisfazer a reivindicação dos camponeses pobres e dos artesãos e assalariados urbanos pobres. Em Atenas, por exemplo, a polis foi subdividida em unidades sociopolíticas denominadas demos; em Roma, em tribus.
Quem nascesse num demos ou numa tribus, independentemente de sua situação econômica, tinha assegurado o direito de participar das decisões da cidade. No caso de Atenas, todos os naturais do demos tinham o direito de participar diretamente do poder, donde o regime ser uma democracia. Em Roma, os não-proprietários ou os pobres formavam a plebe, que tinha o direito de eleger um representante – o tribuno da plebe – para defender e garantir os interesses plebeus junto aos interesses e privilégios dos que participavam diretamente do poder, os patrícios, que constituíam o populus romanus. O regime político romano era, assim, uma oligarquia.
Diante do poder despótico, gregos e romanos inventaram o poder político porque:
● separaram a autoridade pessoal privada do chefe de família – senhorio patriarcal e patrimonial – e o poder impessoal público, pertencente à coletividade; separaram privado e público e impediram a identificação do poder político com a pessoa do governante. Os postos de governo eram preenchidos por eleições entre os cidadãos, de modo que o poder deixou de ser hereditário;
● separaram autoridade militar e poder civil, subordinando a primeira ao segundo. Isso não significa que em certos casos, como em Esparta e Roma, o poder político não fosse também um poder militar, mas sim que as missões militares deviam ser, primeiro, discutidas e aprovadas pela autoridade política e só depois realizadas. Os chefes militares não eram vitalícios nem seus cargos eram hereditários, mas eram eleitos periodicamente pelas assembléias dos cidadãos;
● separaram autoridade mágico-religiosa e poder temporal laico, impedindo a divinização dos governantes. Isso não significa que o poder político deixasse de ter laços com a autoridade religiosa – os oráculos, na Grécia, e os augúrios, em Roma, eram respeitados firmemente pelo poder político. Significa, porém, que os dirigentes desejavam a aprovação e a proteção dos deuses, sem que isso implicasse a divinização dos governantes e a submissão da política à autoridade sacerdotal;
● criaram a idéia e a prática da lei como expressão de uma vontade coletiva e pública, definidora dos direitos e deveres para todos os cidadãos, impedindo que fosse confundida com a vontade pessoal de um governante. Ao criarem a lei e o direito, afirmaram a diferença entre o poder político e todos os outros poderes e autoridades existentes na sociedade, pois conferiram a uma instância impessoal e coletiva o direito exclusivo ao uso da força para punir crimes, reprimir revoltas e matar para vingar, em nome da coletividade, um delito julgado intolerável por ela. Em outras palavras, retiraram dos indivíduos o direito de fazer justiça com as próprias mãos e de vingar por si mesmos uma ofensa ou um crime. O monopólio da força, da vingança e da violência passou para o Estado, sob a lei e o direito;
● criaram instituições públicas para aplicação das leis e garantia dos direitos, isto é, os tribunais e os magistrados;
● criaram a instituição do erário público ou do fundo público, isto é, dos bens e recursos que pertencem à sociedade e são por ela administrados por meio de taxas, impostos e tributos, impedindo a concentração da propriedade e da riqueza nas mãos dos dirigentes;
● criaram o espaço político ou espaço público – a assembléia grega e o senado romano -, no qual os que possuem direitos iguais de cidadania discutem suas opiniões, defendem seus interesses, deliberam em conjunto e decidem por meio do voto, podendo, também pelo voto, revogar uma decisão tomada. É esse o coração da invenção política. De fato, e como vimos, a marca do poder despótico é o segredo, a deliberação e a decisão a portas fechadas. A política, ao contrário, introduz a prática da publicidade, isto é, a exigência de que a sociedade conheça as deliberações e participe da tomada de decisão.
Além disso, a existência do espaço público de discussão, deliberação e decisão significa que a sociedade está aberta aos acontecimentos, que as ações não foram fixadas de uma vez por todas por alguma vontade transcendente, que erros de avaliação e de decisão podem ser corrigidos, que uma ação pode gerar problemas novos, não previstos nem imaginados, que exigirão o aparecimento de novas leis e novas instituições. Em outras palavras, gregos e romanos tornaram a política inseparável do tempo e, como vimos no caso da ética, ligada à noção de possível ou de possibilidade, isto é, a idéia de uma criação contínua da realidade social.
Para responder às diferentes formas assumidas pelas lutas de classes, a política é inventada de tal maneira que, a cada solução encontrada, um novo conflito ou uma nova luta podem surgir, exigindo novas soluções. Em lugar de reprimir os conflitos pelo uso da força e da violência das armas, a política aparece como trabalho legítimo dos conflitos, de tal modo que o fracasso nesse trabalho é a causa do uso da força e da violência.
A democracia ateniense e as oligarquias de Esparta e da república romana fundaram a idéia e a prática da política na Cultura ocidental. Eis por que os historiadores gregos, quando a Grécia caiu sob o domínio do império de Alexandre da Macedônia, e os historiadores romanos, quando Roma sucumbiu ao domínio do império dos césares, falaram em corrupção e decadência da política: para eles, o desaparecimento da polis e da res publica significava o retorno ao despotismo e o fim da vida política propriamente dita.
Evidentemente, não devemos cair em anacronismos, supondo que gregos e romanos instituíram uma sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos. Em primeiro lugar, a economia era agrária e escravista, de sorte que uma parte da sociedade – os escravos – estava excluída dos direitos políticos e da vida política. Em segundo lugar, a sociedade era patriarcal e, conseqüentemente, as mulheres também estavam excluídas da cidadania e da vida pública. A exclusão atingia também os estrangeiros e os miseráveis.
A cidadania era exclusiva dos homens adultos livres nascidos no território da Cidade. Além disso, a diferença de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos políticos. Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo atividades portadoras de prestígio que somente os ricos podiam realizar. Era o caso, por exemplo, da liturgia grega e do evergetismo romano, isto é, de grandes doações em dinheiro à cidade para festas, construção de templos e teatros, patrocínio de jogos esportivos, de trabalhos artísticos, etc.
O que procuramos apontar não foi a criação de uma sociedade sem classes, justa e feliz, mas a invenção da política como solução e resposta que uma sociedade oferece para suas diferenças, seus conflitos e suas contradições, sem escondê-los sob a sacralização do poder e sem fechar-se à temporalidade e às mudanças.
Texto selecionado do livro "Convite à Filsofia" -  Unidade 8 - O mundo da prática - Capítulo 7
A vida política - Ed. Ática, São Paulo, 2000. Seleção de responsabilidade do Prof Frederico Drummond - Filosofia,

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Podemos estudar a alienação através de um poema de Carlos Drummond.

A professora e filósofa Marilena Chaui em suas obras dá um destaque particular para a contribuição dos poetas no estudo da filosofia. Tendo isto como referência vamos inciar nossas reflexões sobre ética e filosofia política a partir deste poema de Carlos Drummond de Andrade: 
Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Em sua opinião o que o poeta pretendeu dizer nas seguintes estrofes: 

a) "Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.(...)"

b) "Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras"

c) "Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear."

d) "Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan."

Boas reflexões. Frederico Drummond - prof Filosofia

HISTÓRIA DE MOTIVAÇÃO: Ginasta Arthur Zanetti, brasileiro de São Caetano, ganha ouro nas argolas em Londres

Esta é uma importante história de motivação. No bimestre passado estudamos a Teoria da Motivação e o que faz com que os seres humanos busquem se superar em cada etapa da vida. O exemplo de Zanetti, de 22 anos, não poderia ser melhor. Afinal a educação física ficou consagrada na filosofia grega e na expressão "mente sã em corpo são".  
LONDRES, 6 Ago (Reuters) - O ginasta Arthur Zanetti conquistou a medalha de ouro nas argolas na Olimpíada de Londres nesta segunda-feira com a nota 15.900.
O brasileiro superou o chinês campeão olímpico e tetracampeão mundial Yibing Chen, que terminou com a medalha de prata. O italiano Malteo Morandi ficou com o bronze.
Zanetti, de 22 anos, tinha ficado atrás do chinês no Mundial disputado no ano passado, quando foi vice-campeão.
O ouro de Zanetti é a 8a medalha do Brasil nos Jogos Olímpicos de Londres, a segunda de ouro.
(Reportagem de Pedro Fonseca